Em 1º de julho de 1994, a população do Brasil vivia um misto de
esperança e apreensão.
Esperança com uma nova moeda, o real, que
entraria em vigor naquela data, lastreada em mais um plano econômico com
a promessa de estabilizar o sistema financeiro do País e derrotar de
vez o dragão da inflação que ganhava cada vez mais força e havia chegado
a 2.400% um ano antes.
A apreensão ficava por conta do receio de que o Plano Real
não pudesse cumprir o estabelecido, a exemplo de outras tentativas, como
o Plano Cruzado, lançado logo após o fim do regime militar.
Na próxima semana, o real completa 18 anos desde seu lançamento
com um saldo bastante significativo. O plano, gestado quase uma década
antes com base em estudos elaborados pelos economistas Pérsio Arida e
André Lara Resende, e que depois ficou conhecido também como plano
“Larida”, trouxe para o Brasil estabilidade econômica e pôs fim ao
processo inflacionário que corroía o poder de compra da população.
Após a entrada em vigor do real como moeda, o País trocou uma
inflação de cerca de 4% ao dia para algo próximo disso, mas com a
diferença de que essa passou a ser a taxa anual.
Desde a década de 1980, a inflação oficial medida pelo Índice de
Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulava em um período de 12 meses
taxas na casa dos 100%. Mas os mecanismos de indexação adotados à época
na tentativa de, por exemplo, repor parte da inflação sobre os salários e
manter um pouco do poder de compra da população pioravam ainda mais a
situação com repasses automáticos para os preços e contribuindo para
consolidar a cultura da inflação nas pessoas.
Essa alta generalizada e descontrolada dos preços cujo efeito é
a desvalorização da moeda, atuava como um fator de empobrecimento da
maioria das pessoas. Apenas uma pequena parcela da população conseguia
buscar algum tipo de proteção depositando as suas reservas financeiras
nos bancos para tentar reduzir parte das perdas com a desvalorização da
moeda na época.
Nos três últimos meses que antecederam o lançamento do Plano Real, a
inflação mensal foi de 42,68% em abril de 1994, 44,03% em maio daquele
ano, e de 47,43% em junho. Encerrando o primeiro mês com a nova moeda já
em vigor, a inflação foi de 6,84% e atingiu 1,86% em agosto daquele
ano.
Quando comparado ao IPCA fechado de 1993, ano anterior à adoção do
real, período em que a inflação atingiu incríveis 2.477,15%, o acumulado
em 12 meses até maio deste ano, que aponta uma variação de 4,99%
segundo o IBGE, é um claro termômetro de como a economia do País mudou
nesses 18 anos de estabilização.
Tomando-se a média de cinco índices de inflação publicados por
diferentes institutos de pesquisa, a taxa de inflação acumulada havia
chegado a 758,59% no primeiro semestre de 1994. Esse dado representou
uma inflação média mensal de 43,1%, equivalente a uma taxa anual de
7.271,84%. No segundo semestre de 1994 a taxa de inflação acumulada foi
de 18,72%, com uma média mensal de 2,9%.
Mas apesar dos muitos avanços, Arida, um dos pais do Plano Real e
ex-presidente do Banco Central, afirma que a estabilidade não é uma
tarefa encerrada, mesmo após dezoito anos do Plano Real, e que a taxa de
juros elevada no Brasil ainda é resultado da desconfiança da sociedade
com a inconsistência fiscal no País.
Segundo Arida, a busca por uma melhora na questão fiscal está entre
os principais desafios do atual momento, exemplificando que a carga
tributária aumentou de 25% do PIB, na época do Plano Real, para 37% do
PIB nos dias de hoje.
No campo fiscal, a queda abrupta da inflação no início do Plano
Real provocou um nítido alívio para o equilíbrio das contas públicas. A
receita líquida do Governo Federal aumentou 11,5% em 1994, trazendo a
arrecadação para o valor de US$ 63,2 bilhões naquele ano. Em 1993, um
ano antes do plano, essa receita havia sido de US$ 56,7 bilhões.
O plano de estabilização
Além da estabilização da economia e do combate à inflação, o Plano
Real pretendia estabelecer um novo padrão monetário que passasse
confiança à população. O real entrou em vigor após uma sucessão de
moedas adotadas sem sucesso no Brasil.
Desde 1942 foram feitas diversas reformas econômicas que culminaram
com a adoação de seis novas moedas: cruzeiro novo, em 1967, cruzeiro em
1970, cruzado em 1986, cruzado novo em 1989, cruzeiro novamente em 1990 e
cruzeiro real em 1993, que antecedeu a adocação do real em 1994. A
inflação acumulada de 1967 até 1994 foi de aproximadamente
1.142.332.741.811.850% tendo como base o IGP-DI, da Fundação Getúlio
Vargas.
Antes da entrada em vigor da nova moeda, em 28 de fevereiro de 1994,
teve início a publicação dos valores diários da Unidade Real de Valor
(URV) pelo Banco Central. A URV serviria como moeda escritural e
conviveu em paralelo com o cruzeiro real para todas as transações
econômicas, com conversão obrigatória de valores, dando início a um
processo de desindexação da economia sem o qual o novo plano correria o
risco de naufragrar como seus antecessores.
A partir de 1º de março de 1994, passou a vigorar o Fundo Social de
Emergência (FSE) considerado essencial para o êxito do plano. Por meio
de uma emenda, o Governo desvinculou as verbas do orçamento da União,
direcionando os recursos para o fundo, que daria ao poder público margem
para remanejar ou cortar gastos supérfluos. Os gastos do governo
contribuíam para a alimentar a hiperinflação, uma vez que a máquina do
Estado brasileiro era grande, dispendiosa e ávida por recursos.
Em 1º de julho de 1994, com o lançamento da nova moeda, o real, toda a
base monetária do País foi trocada de acordo com a paridade
estabelecida de CR$ 2.750,00 para cada R$ 1,00.
Com a inflação debelada, o ganho proporcionado para a população
incentivou o consumo, principalmente de alimentos com maior valor
agregado, como foi o caso do iogurte, carnes de cortes mais nobres e o
frango dessossado, que virou um dos símbolos dos novos tempos na
economia com o real.
Globalização, crises e as fragilidades expostas
Dada à globalização da economia mundial, o real enfrentou logo na
largada graves crises como a do México em 1995, a Asiática entre 1997 e
1998 e a da Rússia em 1998. Em todas as ocasiões, o Brasil foi afetado
diretamente. O País necessitava de recursos, investimentos e
financiamentos estrangeiros. Grandes somas de dinheiro deixaram o Brasil
em cada um desses momentos devido ao medo que os grandes investidores
tinham com os ainda incipientes mercados emergentes.
Como lembra Arida, somente em 1995, três bancos tiveram que ser
socorridos pelo Governo devido a problemas financeiros. Foram os casos
do Banco Econômico, do Banco Nacional e do Bamerindus que foram saneados
com recursos do Proer, programa criado para evitar uma quebradeira
geral no sistema financeiro, e depois repassados a outras instituições
financeiras. “Durante o período de inflação alta, essas distorções eram
mascaradas”, diz Arida. “Com o fim desse período, após a adoção do real,
as ineficiências do sistema financeiro vieram à tona naquele momento de
maior fragilidade”, acrescenta.
Ao menor indício de crise em qualquer um desses países, uma massa de
investidores corria para buscar refúgio em moedas fortes, como o dólar
americano
Outros aproveitavam esses movimentos para especular fortemente contra
as moedas dos emergentes, na intenção de obter grandes lucros em curto
espaço de tempo, esvaziando as reservas em moeda estrangeira. Isso
contaminava negativamente as contas de diversos países, causando um
efeito cascata globalizado.
Conforme lembra Arida, para tentar conter o ataque especulativo ao
real, o Banco Central recorreu naquela época às reservas internacionais,
que eram de US$ 30 bilhões e que em três dias acabaram. Hoje o colchão
de proteção da economia conta com mais de US$ 350 bilhões em reservas
depositadas no BC.
Como essas crises deixavam o Brasil sem meios de financiar seu plano
de estabilização, o governo era obrigado a aumentar a taxa básica de
juros, a Selic, para remunerar melhor esses capitais externos, numa
tentativa de impedí-los de abandonar o País. O objetivo era evitar uma
quebra generalizada que empurrasse o Brasil a uma moratória externa.
Após essa sucessão de ataques, em janeiro de 1999 o Banco Central,
sob o comando de Gustavo Franco, outro dos formuladores do plano de
estabilização, promoveu a maxidesvalorização cambial para tentar evitar
uma fuga maciça de capital estrangeiro que poderia acabar com a
estabilidade da economia.
Na avaliação de Franco, a estabilidade e a longevidade do real não
são fruto apenas da arquitetura incial do plano, mas também do esforço e
da essência do mandato do Banco Central. “Houve um aperfeiçoamento
instituicional com outra percepção e a adoção de outras linguagens em
termos de política econômica.”
Outras crises menores, apesar de não prejudicarem tanto o processo de
controle da inflação do Brasil, que já estava consolidado, trouxeram
efeitos negativos na taxa de crescimento. Os ataques terroristas nos
Estados Unidos, em setembro de 2001, a Crise da Argentina, em dezembro
de 2001, a crise eleitoral de 2002 e o apagão de energia ajudaram a
derrubar a taxa anualizada de crescimento do PIB naquele momento.
Recentemente, a crise bancária e das hipotecas no fim de 2008 nos
Estados Unidos,seguida pela crise do endividamento nos países da zona do
euro foram os desafios mais recentes para o programa de estabilização
do Brasil. Mas a cada crise, com o passar do anos, esses efeitos foram
cada vez mais diuídos devido à base econômica construída no passado por
meio dos erros e dos acertos em termos de políticas econômicas e
monetárias.
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